Comentário feito pela pesquisadora do Inpa na revista Nature aponta que o naturalista do século XX, Alfred Russel Wallace, estava certo em suas observações sobre os rios como barreiras na Amazônia - Imagem: Mary Evans/Natural History Museum

 

Um comentário publicado pela revista Nature, de autoria da pesquisadora do Instituto Nacional de Pesquisas Amazônia (Inpa/MCTI), Camila Ribas, revelou que estudos já publicados com mais de 150 anos, do naturalista britânico Alfred Russel Wallace (1823-1913), sobre as distribuições de espécies na Amazônia, foram fundamentais para compreensão da biogeografia da Amazônia e são, ainda hoje, importantes para que pesquisadores indígenas recuperem informações sobre seus antepassados. 

De acordo com Ribas, o naturalista forneceu duas contribuições significativas para a biogeografia da Amazônia e tem contribuído para o conhecimento local das gerações passadas. “As observações feitas por Wallace, há mais de 150 anos, continuam atuais e relevantes. Mesmo ficando relativamente pouco tempo na região e tendo visitado apenas alguns rios, o naturalista conseguiu fazer generalizações importantes graças a sua humildade em reconhecer e valorizar o conhecimento local. Talvez essa lição – reconhecer o conhecimento local – seja até mais importante e moderna que as generalizações biogeográficas que ele publicou”, frisa Ribas, bióloga com doutorado em biologia evolutiva. 

Dzoodzo Baniwa, pesquisador indígena e membro da comunidade Canadá no rio Ayari, afluente do Içana, coleta dados sobre a biodiversidade da região há aproximadamente 15 anos. Ele baseia suas pesquisas em muitas fontes de origens culturais variadas, incluindo os escritos de Wallace, que descreveu os locais onde atualmente vive Dzoodzo e seu povo. O livro de Alfred Wallace, que visitou os rios Amazonas e Negro em sua expedição entre 1848 e 1852, contém detalhes específicos sobre as espécies de plantas e animais e sobre os povos que habitavam os arredores dos rios Negro e Amazonas.

O pesquisador indígena usa os dados documentados por Wallace para aprender mais sobre como seus próprios ancestrais viveram no passado. Essa busca pelo conhecimento intercultural requer que pesquisadores indígenas possam fazer parcerias com outras organizações, tanto nacionais como internacionais, semeando novos tipos de colaboração em que a aprendizagem é recíproca e para o benefício de todos.

A Escola Baniwa Eeno Hiepole, localizada no Alto Rio Negro próximo à fronteira Brasil-Colômbia, que utiliza uma metodologia de educação integral elogiada internacionalmente, é fruto dos trabalhos dos professores indígenas com base na biodiversidade local. Segundo Ribas, o plano é um dia transformar a escola em um Instituto de Pesquisa e Universidade para estimular a pesquisa intercultural e aumentar o conhecimento sobre as espécies da região. A ideia é que os alunos das escolas locais não precisem mais deixar sua terra para cursar o ensino superior.

Outro benefício, conta a pesquisadora, seria que as comunidades indígenas teriam autonomia para documentar seu próprio conhecimento e de seus ancestrais de maneira mais sistemática.

Rios como barreiras na Amazônia

O naturalista deixou informações significativas para a compreensão da dinâmica do bioma Amazônico. A sua primeira contribuição está no manuscrito sobre os primatas Amazônicos, que traz a base de uma das hipóteses mais debatidas sobre diversificação na Amazônia - a hipótese dos rios como barreiras. Desde 1852, Wallace aponta que grandes rios poderiam atuar como barreiras geográficas que moldam a distribuição de espécies, como primatas e aves. 

Estudos realizados nos últimos anos mostram que o sistema de drenagem Amazônico é dinâmico e que as mudanças nos cursos dos rios levam às modificações nos padrões de distribuição de espécies. Com isso, a organização atual das espécies contém informações sobre como a paisagem Amazônica mudou ao longo do tempo. 

A segunda observação importante feita pelo naturalista, apontada por Ribas, foi sobre a variação de espécies em diferentes regiões. O naturalista descreve como várias espécies da Guiana chegam até o Rio Negro e o Amazonas, mas não os atravessam. Da mesma forma que as espécies brasileiras que vivem ao sul do Amazonas também não atravessam para o norte, cruzando esse rio.

Outra constatação feita pelo naturalista foi a de que diversas espécies equatorianas, localizadas a leste dos Andes, conseguem habitar a região entre o Rio Negro e o Alto Amazonas, porém não cruzam nenhum desses rios. Já as espécies peruanas são delimitadas ao norte pelo Alto Amazonas e ao leste pelo  Madeira.

A partir dessas observações, Alfred Wallace concluiu que existem quatro distritos biogeográficos na Amazônia: Guiana, Equador, Peru e Brasil. Os quatro distritos propostos pelo naturalista são delimitados nos rios Amazonas, Negro e Madeira. 

Outros estudos revelaram mais distritos, denominados de áreas de endemismo, cujas espécies estão presentes apenas nessas áreas. São delimitadas por esses e outros grandes rios amazônicos, como Tapajós, Xingu e Tocantins.

O reconhecimento desses padrões biogeográficos é essencial para pesquisa, conservação e planejamento atual, pois cada uma das áreas de endemismo vem sendo afetada de maneira distinta pela ação humana, incluindo desmatamentos e incêndios. 

A Amazônia tem grande parte de seu território demarcado como área protegida ou terras indígenas. Algumas áreas de endemismo estão localizadas ao sul da região, próximo a fronteira agrícola e suas espécies endêmicas estão severamente ameaçadas pela perda de habitat.

Saiba mais em: www.raisg.org/en

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