Fenômenos que estão ocorrendo simultaneamente no oceano inibem a formação de chuvas sobre a floresta. Situação semelhante foi registrada em 2010, quando houve a seca mais intensa em 120 anos na bacia do Rio Negro



Dois fenômenos simultâneos podem agravar e até prolongar a seca na Amazônia. Além do El Niño, que aumenta a temperatura das águas superficiais do oceano na região do Pacífico Equatorial, o aquecimento do Atlântico Tropical Norte, logo acima da linha do Equador, inibe a formação de nuvens, reduzindo o volume de chuvas na Amazônia. Pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), que monitora os rios da bacia Amazônica, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), que prevê redução das chuvas para a região Norte, e do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), que acompanha os impactos do El Niño no Brasil, apontam para a simultaneidade dos fenômenos. Todas as unidades são vinculadas ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI).


“O evento do Atlântico Tropical Norte está se somando ao El Niño. Dois eventos ao mesmo tempo são preocupantes. Tivemos isso entre 2009 e 2010, que foi a maior seca registrada na bacia do rio Negro nos últimos 120 anos”, explica o meteorologista Renato Senna, responsável pelo monitoramento da bacia amazônica no Inpa.


Apesar de o reflexo dos dois fenômenos ocorrerem em regiões diferentes da Amazônia, o aquecimento das águas do oceano desencadeia um mecanismo de ação similar sobre a floresta. Com a água do oceano mais quente, as correntes ascendentes carregam ar aquecido para a atmosfera. Esse ar segue até a Amazônia por meio de duas correntes descendentes. No caso do El Niño, o processo ocorre de leste para oeste – a partir do Pacífico. No caso do Atlântico, do norte para o sul.


“Esse ar mais quente atua inibindo a formação de nuvens e, por consequência, das chuvas”, afirma Senna.


Organismos internacionais, como a Organização Meteorológica Mundial, mostram um planeta mais quente, com recordes de temperatura nos últimos meses. Além disso, o oceano também está mais aquecido. Segundo a nota técnica do Cemaden, o Oceano Pacífico Norte e o Atlântico Tropical estão apresentando temperaturas entre 2 e 4oC graus acima. É nesse novo contexto que os fenômenos estão ocorrendo.


De acordo com o pesquisador Renato Senna, nos anos em que esses eventos ocorreram de forma simultânea, houve atraso no início da estação chuvosa na Amazônia e foram registrados recordes históricos de seca. Além da estiagem expressiva registrada entre 2009 e 2010, houve um episódio em 2005.


“As condições começam a se repetir e provavelmente teremos uma grande seca, com atraso no início da estação chuvosa”, diz Senna.


Apesar de algumas regiões estarem recebendo pancadas de chuva, no momento, o Alto Solimões e a área de extremo leste da Amazônia já apresentam criticidade para navegação. Entre setembro e outubro, é natural haver uma baixa rápida dos rios na região amazônica. “Baixa cerca de 15 centímetros, ou até mais, por dia. Realmente, a gente vê o rio baixando dia após dia”, descreve.


A baixa que ocorre em três meses leva de oito a nove meses para encher novamente. Esse processo é explicado, em parte, pelo reflexo do período seco na região Centro-Oeste do país. De acordo com Senna, os grandes rios que deságuam nas bacias do Norte, como o Araguaia e o Tocantins, ficam longos períodos sem receber chuvas. Toda a margem direita, que é a direção da nascente para foz, dos rios tributários (ou afluentes) do Amazonas, não recebe grandes volumes de chuvas.


Renato Senna observa que a bacia do rio Negro deve ser a primeira a sofrer os impactos da seca e, em seguida, as demais regiões do Solimões. A previsão meteorológica é de que as chuvas para a região amazônica fiquem abaixo da média até novembro. Ainda não é possível prever por quanto tempo o início da estação chuvosa deve atrasar.


Amazônia não tem resiliência para seca


Senna menciona que, de acordo com os registros históricos, se entre 1903 e 2000 ocorria uma cheia a cada dez ou 15 anos, a partir dos anos 2000 tem sido registrada uma cheia a cada cerca de três anos. Os recordes históricos de elevação dos rios ocorreram em 2019, 2020 e 2021. As secas aumentaram de frequência e intensidade, mas as cheias têm sido muito maiores e frequentes, alerta o pesquisador do Inpa.


Ele avalia, no entanto, que a repercussão da seca na região é mais grave pelos impactos que provoca, como a geração de energia, navegabilidade e acesso à educação e saúde. “É um processo muito caótico para a região. As pessoas estão mais resilientes para as condições de cheias na região, mas não para as secas”, ressalta.


Queimadas


A especialista do Cemaden em secas na Amazônia, Liana Anderson, destaca que a atuação dos fenômenos simultâneos sobre a região também é motivo de preocupação com relação às queimadas. “Há uma extensão grande com risco de fogo pelas chuvas abaixo da média, aumento da temperatura, e agora temos um alerta de onda de calor. Tudo isso vai deixando toda a paisagem muito mais flamável”, analisa a especialista. “As áreas que foram desmatadas no ano passado em algum momento podem queimar”, complementa.


O assunto foi abordado na reunião sobre risco de impactos promovida pelo Cemaden periodicamente, apontando as áreas com maior probabilidade em municípios e em áreas protegidas. Segundo Liana, a projeção é motivo de mobilização de estruturas como defesa civil, brigadistas, batalhões de policiamento ambiental e corpo de bombeiros. “A questão é se estruturar para agir na nas áreas prioritárias”, afirma.



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