Por Maiby Glorize da Silva Bandeira
Bióloga (UNINORTE/AM), com mestrado (BADPI/ INPA/ AM) e doutorado (BAC/ FURG/ RS) voltados para a ecologia e a conservação de ambientes aquáticos e atualmente pós-doutoranda do PPG BADPI/ INPA. Venho me dedicando a conhecer a diversidade e a dinâmica das comunidades biológicas das áreas úmidas, utilizando principalmente microcrustáceos como modelo de estudo. Lattes: http://lattes.cnpq.br/7404275401689357; Linkedin: https://www.linkedin.com/in/maiby-glorize-73030180/; Instagram: maiby_glorize
Quem nunca, enquanto estava viajando, olhou pela janela do carro e viu poças de água espalhadas na paisagem, com um monte de bichos ao redor?! Pois bem, essas poças em conjunto com outros ambientes são conhecidas cientificamente como áreas úmidas (em inglês: wetlands). Podem ser pequenas, grandes, rasas, um pouco mais fundas, podem ter água o ano inteiro, ou secar em algum período, mas todas têm em comum, a presença de água em algum momento. Esses ambientes aquáticos estão distribuídos pelo mundo e em todos os biomas brasileiros, tendo nomes específicos nas diferentes regiões, podendo ser conhecidos como charcos, banhados, buritizais, pantanal, igapó, várzea, etc.
Figura 1: Poça do Lavrado de Roraima no extremo Norte do Brasil.
Essas poças não são só beleza na paisagem, elas têm inúmeras funções ecológicas, como bebedouro e comedouro para animais, além de serem habitats para muitos grupos. Eu brinco que se fossemos pegar uma lupa gigante e colocássemos acima de uma poça, nos possibilitaria enxergar um universo a parte de bactérias, algas e animas microscópicos que habitam nesses lugares e sustentam toda uma cadeia trófica, altamente produtiva dentro e fora desses ecossistemas. Para o funcionamento do ciclo hidrológico, esses poças tem a capacidade de estocar bastante água doce, função que é um grande atrativo para ações antrópicas, como agricultura e mineração.
Figura 2: As áreas úmidas estocam uma imensa quantidade de água doce.
Dentro da agricultura, para os cultivos que precisam ser encharcados permanentemente (e.g. arroz irrigado), as poças são temporariamente drenadas para a utilização da água na irrigação e são modificados drasticamente. Já nos cultivos que são irrigados periodicamente (e.g. soja, milho, cana, pastagem), a água das poças é retirada da paisagem e alocada em canais, e não há retorno para o mesmo lugar que estava, então, a poça é extinta. Fora a contaminação da água e dos animais que dependem desses ambientes, ainda mais quando há mineração nas proximidades dessas poças. O garimpo é um exemplo clássico que afeta não só os rios, mas todos os ecossistemas que estão ao seu entorno. O que temos visto é que a utilização de Mercúrio tem sido a principal preocupação de contaminação porque tem efeito acumulativo em tecidos orgânicos, e é transferido ao longo de toda a cadeia trófica, causando risco a saúde de todos os organismos.
Figura 3: Poça drenada para plantio de Soja no Lavrado de Roraima.
Esses são só alguns dos exemplos de prejuízos causados pela humanidade, não só para as áreas úmidas, mas a nós mesmos, que dependemos de água para sobreviver. Então, a solução é parar com a agricultura e a mineração e deixar de lado o desenvolvimento econômico? Na minha humilde opinião, acho que não! Mas o porquê será, de tanto medo do desenvolvimento sustentável? O que eu, e a grande maioria de cientistas sugere é que se tenha mais investimento em alternativas para ocorrer um desenvolvimento econômico de forma menos predatório. Essa estratégia resultaria no desenvolvimento andar de mãos dadas com a conservação das pocinhas, que em primeira vista, só embelezam a paisagem, mas que são mega biodiversas e têm um potencial ecológico e econômico gigantesco.
Figura 4: Paisagem modificada pela agricultura tem se tornado comum no Lavrado de Roraima.
Em comparação com outros ambientes aquáticos de água doce, as pocinhas ainda são menosprezadas e pouco estudadas, principalmente quanto a dinâmica e diversidade biológica. Quando estamos olhando pela janela, nem percebemos que essas pocinhas estão sendo reduzidas e desaparecendo em rápida velocidade, tanto pelas ações antrópicas, quanto pelo aumento da temperatura global. Elas estão implorando por socorro, mas são poucos os que enxergam e ajudam. Meu medo é que sejam destruídas, antes mesmo de serem conhecidas a fundo. Talvez, o que poderíamos fazer enquanto cidadãos é olhar com mais cuidado e atenção durante nossas viagens, e atentar que aqueles lugares que davam vida e beleza à paisagem, agora estão sendo trocados por imensas plantações agrícolas e sumindo, pouco à pouco, sem ao menos percebermos.
Figura 5: O Lavrado está sendo tomado por mares de monocultura.